Indicação de filme: “Atentado ao Hotel Taj Mahal” – ou “Hotel Mumbai” (2018)

Hoje é terça-feira, dia de novas indicações minhas por aqui, a obra de hoje é este longa “Hotel Mumbai” ou, no nosso idioma, “Atentado ao Hotel Taj Mahal”.

Está disponível em serviços de Video On Demand, para compra ou aluguel, ou no streaming do Telecine.

No ano de 2008, diversos paquistaneses promoveram cerca de 10 atentados concomitantes na Índia, dentre os quais a invasão e o massacre no fino e ilustríssimo hotel cinco estrelas Taj Mahal, tomando como alvos principais norte-americanos e britânicos; também não perdoando, obviamente, qualquer outro que se colocasse no caminho. A principal motivação de todos esses ataques terroristas não poderia deixar de ser social-geopolítica, a presença indiana na Caxemira. Vários anos depois, o filme “Atentado ao Hotel Taj Mahal” nos coloca no centro do caos, no olho do tornado, promovido durante horas e horas na capital econômica do país.

Pois é…

A mera descrição do fato acima já é a própria sinopse do filme, porém, ainda por cima, acompanhamos de perto as ações de três núcleos de personagens, especificamente: David (em mais uma das ótimas atuações do hoje tão repulsivo Armie Hammer) e sua esposa Zahra (Nazanin Boniadi) tentam sobreviver aos ataques, enquanto, de maneira separada e com a ajuda da babá, focam no sacrifício  segurança do filho, ainda bebê; Arjun (pelo excelente e já bem conhecido Dev Patel), um dos garçons, sikh de muito boa índole, que vive em situação de baixíssima renda (sim, inclusive é o que, como mostram alguns trailers e revelam outras sinopses por aí, é o que perde o sapato antes de chegar para um dia de trabalho no hotel), com mulher grávida e seu pequeno filho, passa cada minuto se esforçando para ajudar os hóspedes, também na expectativa de voltar a ver os familiares; e Imran e Abdullah, os terroristas empenhados em realizar a ação em nome de Alá e de seu grupo extremista.

Assim se desenvolve a simples narrativa (digamos assim, pois o que mais importa aqui é a condução do evento em si, que dá título ao filme, o famigerado atentado) colocando-os lado a lado e cruzando-os nas sequências que seguem bem o estilo thriller no seu refinado desenrolar.

Bem, pode-se argumentar que a presença tanto de Dev Patel quanto de Armie Hammer se justifica apenas para maior empatia ou identificação do espectador com os personagens. Afinal, quem precisa se importar com o personagem do Dev Patel além da função dele em ajudar a salvar a galera dentro do hotel, não importem as consequências?

Porém, isso é o suficiente para sustentá-los, porque o interesse aqui não é grande dramaticidade nesse aspecto, no sentido bruto do conceito, mas que estejam bem na medida do possível, dentro do conceito de direção de Maras e do material que estes têm para trabalhar.

A direção, ao contrário do que muitos diriam por aí, não é meramente ‘segura’ (é bem mais que isso: extremamente competente!), ou mesmo ‘burocrática’ e ‘operante’. Trata-se de um filme muito bem feito e dirigido com primor e dedicação no que concerne o trabalho de realização fílmica aqui, com uma unidade estilística bem definida e coesa. O cineasta Anthony Maras, mesmo que exatamente em sua obra de estreia na direção de um longa, sabe muito bem o que quer contar aqui e tem plena noção de como fazê-lo, transformando suas intenções em matéria do audiovisual.

Uma direção ‘burocrática’ seria aquela que só segue operante, com os meros propósitos comerciais, não artísticos, transformando, secamente, obra em simples ‘produto’. Aquela ‘sem vida’, sem frescor, sem identidade. Apenas protocolar, que ilustra um roteiro (mesmo que tenha sua mão na escrita) e não propõe nada como experiência.

Decididamente, não é o caso aqui – nem de longe.

Afinal, segurar o espectador pelas duas horas e mais uns quebrados três minutos após apresentar tanta tensão diante de um tema tão delicado, não é uma tarefa ordinária. E Maras dá conta do recado com muito louvor. 

Eis aqui um entretenimento robusto e cheio de tensão, com doses cavalares de bow dramaticidade que dão até nó na garganta e com sequências violentas que funcionam muito nem aqui, praticamente como consecutivos golpes no estômago. O filme não poupa o espectador de imagens fortes e de muito sofrimento e o faz sentir, de maneira eficiente, as horas intermináveis de desespero na pele dos vários funcionários e dos hóspedes do Hotel Taj Mahal.

É um filme que, claro, não minimiza ou não deixa de ter seu pano de fundo político, embora o foco tenha sido no terrorismo como acontecimento.

Sei que estes filmes, quando lançados ao mundo, são cruéis por natureza e por puro objetivo e que Maras aqui, ora ou outra, encontra pontos de claustrofobia minimamente interessantes para conduzir a narrativa (uma passagem envolvendo um elevador é de roer os dedos da própria mão de tanta aflição), como também, de outra perspectiva, este nível de maldade é um que simplesmente pode incomodar muita gente, variando de acordo com a sensibilidade de cada espectador.

De repente, até vale o cuidado.

Afinal, bem, vale ressaltarmos que tem sido cada vez mais comum, nos dias de hoje, uma grande parte do maior público julgar um filme muito mais pela importância de sua temática sociopolítica e não tanto pela natureza cinematográfica do trabalho. Nesse caso, a relevância e o contexto do tema contam mais para as pessoas em geral do que a maneira que o realizador se utilizou da linguagem para concretizar a sua problemática, justamente por uma falta de consciência na forma do cinema, dos elementos e recursos expressivos da linguagem.

O real impacto de uma obra não deveria ser definido, justamente, pela forma que o filme concilia o conteúdo e a forma?

Conquanto, é como diria Arthur Tuoto – com quem muito aprendi isso -, um filme não é feito meramente de boas intenções. Um cineasta pode ter, na teoria, o melhor dos propósitos, pode trazer temas importantíssimos à tona, pode denunciar questões políticas severas, retratar casos de puro terror como este, porém, se o seu trato com a linguagem for fraco, o resultado da obra será minimizado. Ou, pior ainda, poderá ter um efeito inverso ao proposto inicialmente.

O trabalho de Maras aqui, por sua vez, não parece interessado em discutir a fundo os aspectos dessa maldade, já que ela existe unicamente para subjugar e para polarizar ao máximo com os personagens bons. 

E aí, nisso, se fôssemos problematizar esse ponto, vem à tona uma espécie de síndrome de “Democracia em Vertigem”: algo que parte meramente de uma comoção em voga não para refletir sobre a crueldade do espectro político, mas pra usá-la como um mero apelo emocional de natureza muito fácil.

Pode ficar perigoso, já que poderia passar a existir uma paranoia às avessas bem clara, estilo ao que chamamos aqui de ‘complexo José Padilha’ (à la “Tropa de Elite” mesmo) . O filme quer evidenciar esse atentado da perspectiva tanto doa terroristas quando das vítimas, mas não quer colocar isso em debate e até problematizar esses efeitos, logo parece que acaba até vibrando com essa própria violência explícita, ao invés de pura e simplesmente denunciar.

Eu entendo que essa ambiguidade possa fazer parte do olhar da cineasta sobre o tema: a fetichização da violência no atentado não existe apenas como um apelo em si, mas revela uma busca de explorar isso como ‘princípio de efeitos’.

Aliás, é óbvio que é impossível fazer um filme partindo do caso de um atentado sem mostrar o aspecto da violência de forma mínima.

Mas, claro, o ponto não é esse.

É o ‘como’ isso pode ser cinematograficamente articulado explorado no resultado na obra.

Ele não está simples relatando um fato em si. Cinema não é jornalismo.

A arte é muito sobre as maneiras, sobre a forma, do que, propriamente ‘o que é’ abordado.

No caso, Maras, como diretor, demonstra compreender bem essa “necessidade nociva” que vem com essas histórias e a entrega sem quaisquer pudores.

Seguindo uma batida pesada, excitante, triste e emocionante do momento em que começam os ataques ao seu fim, “Atentado ao Hotel Taj Mahal” desenvolve sua narrativa de maneira muito eficiente e contundente, mostrando-se extremamente capaz, eu diria, de segurar o público com o seu clima mórbido e dilacerante.

Se ficou ‘comprado’ pela ideia, vá na fé sem medo de ser feliz.

É, de fato, uma boa pedida para umas duas horinhas de tensão.

Aquela tensão que, assim que quando desligamos a TV de casa, lembramos que não éramos vítimas também, estávamos consumindo uma obra (sim, isso mesmo, ainda que tenha sido ‘baseada’ em fatos – lembrando que é ‘baseada’ apenas, e não uma mera reconstituição tal e qual).

E isso é algo que sabemos muito bem que todo bom cinema pode fazer: impactar e afligir, mas recompensar com o (esse) alívio depois.

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