Oscar 2022 | ‘Duna: Parte I’ expande o universo de Herbert em uma esplêndida fotografia e se garante como o sci-fi da década


A confirmação de sua sequência se fazia quase como um presságio há um bom tempo. Aguardado com muita ansiedade desde os primeiros teasers e pôsteres estampando seu título: “Duna: Parte I“, o sinal verde das produtoras Warner Bros. Pictures e Legendary Pictures sobre uma parte dois da adaptação de um dos maiores — se não “O” maior — clássico de ficção científica de toda a história humana, finalmente migrou dos sonhos a realidade, trazendo uma enorme satisfação a todos que vislumbraram no último fim de semana a obra hipnotizantemente imensa de Villeneuve, a qual incorpora para o mainstream a rica saga literária do romancista Frank Herbert.


“Não consigo parar de pensar no garoto de 12 anos ao meu lado nesta exibição. Ele largou a pipoca dois minutos depois e não pegou de novo. Tive a nítida sensação de que estava tendo uma experiência de mudança de vida. É disso que se trata.”

– @brianchaley


O diretor e também roteirista franco-canadense Denis Villeneuve — que fez seu nome na indústria ao criar grandes sucessos, como ‘A Chegada’ (o rendendo uma indicação ao Oscar em 2017), ‘Blade Runner 2049’, ‘Incêndios’ (também nomeado pela Academia na categoria ‘Melhor Filme Estrangeiro’ em 2011) e ‘Sicario: Terra de Ninguém’ — faz questão de expandir o senso de escala em seu próximo ambicioso projeto cinematográfico.

Rodado em uma área equivalente a dois campos de futebol no extenso vale desértico Wadi Rum (Jordânia), popularmente apelidado de Vale da Lua, o longa foi “sonhado, desenhado, feito e filmado pensando no IMAX“, como destacou o próprio diretor durante as últimas semanas de intensa divulgação (incluindo o Festival de Veneza, em setembro, onde o filme estreou com uma ovação entusiástica de 6 minutos).


“Eu disse ao estúdio ‘devemos ir para a Jordânia’. Todos concordaram que seria perfeito. Estou tão grato pela oportunidade de filmar lá, a locação nos inspirou muito em conseguir a visão que eu queria para o filme. Eu não poderia ter feito o mesmo filme em um estúdio. Eu precisava estar em contato com a natureza. O livro foi inspirado pela natureza e por observá-la e eu precisava disso para seguir o mesmo caminho.”


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O lançamento do novo Duna acontece após 37 anos desde a anterior e extremamente polêmica adaptação, dirigida por David Lynch e considerada por muitos como “terrivelmente desconcertante”. Lynch trouxe o romance distópico para o big-screen em um longa que tinha, em primeira instância, a intenção de quatro horas de duração em um enredo imerso nos extensos diálogos expositivos e altamente enigmáticos, devido os jargões retirados da série de 6 livros do escritor Frank Herbert e inseridos na trama sem nem mesmo um essencial tino de contextualização. Felizmente, Denis aprendeu com os desastres das tentativas anteriores de adaptação deste clássico sci-fi. Aqui, o diretor — em parceria com o vencedor do Oscar Eric Roth (de Forrest Gump) e Jon Spaihts (de Passageiros) — entrega um roteiro que consegue solucionar este dilema dúbio de agradar os fãs (ou quase agradar) e, ao mesmo tempo, apresentar esta história amplamente desconhecida ao público geral; afinal, Duna é uma adaptação que objetiva ser blockbuster. Denis capta o telespectador com um vocabulário acessível aos que não leram os livros (espessos e altamente complexos) e que, por isso, não possuem uma base prévia acerca do enredo, mas também com um extremo cuidado em não se distanciar do cosmo criado por Herbert e suas principais temáticas acerca de dever social, legado, revolução política, luta por equilíbrio de poder, liderança, além da esfera religiosa e mitológica, muito presentes aqui.

A trama se passa a milhares de anos no futuro. A humanidade  habita diversos planetas  sob a ordem de um império galáctico (Padisha). Cada um destes planetas é governado por uma casa aristocrática, onde as principais casas são a Casa Atreides e a Casa Harkonnen. Os Harkonnen são autoridades ditadoras do planeta Giedi Prime e, assim sendo, sempre utilizam o controle e tortura do povo como ferramentas em favor de suas ambições. A casa Harkonnen tem como seu líder o violento Barão Vladimir, interpretado por Stellan Skarsgård (quase irreconhecível no físico adiposo de seu personagem), que abusa dos recursos de Arrakis, massacrando as tribos nativas de Duna (os Fremens). Em contraposição, encontram-se os Atreides, que governam o planeta Caladan — terceiro planeta do sistema Delta Pavonis — sob a liderança do Duque Leto Atreides, interpretado por Oscar Isaac. Reconhecido por suas táticas de batalha avançadas (com até mesmo uma linguagem própria de combate), Leto é o oposto da mentalidade que temos de um poderoso guerreiro galáctico. Inversamente aos seus abomináveis rivais, o patriarca tem como princípio irrevogável o amor à família,  a lealdade ao seu povo, a paz e — quase como um emblema — a coragem sobre o medo. Inclusive, uma das falas mais memoráveis do universo Duna é a respeito do medo como o principal inimigo da mente humana.


“Eu não devo ter medo. Medo é o assassino da mente. Medo é a pequena morte que leva à aniquilação total. Eu enfrentarei meu medo. Permitirei que passe por cima e me atravesse.”


Vale aqui destacar a surpreendente atuação imersiva e, até mesmo, psicótica de Rebecca Ferguson, que interpreta a concubina do Duque Leto, Lady Jessica Atreides, uma Bene Gesserit. No filme, a personagem é retratada em um senso muito mais vulnerável do que no livro, o que pode arregalar os olhares de certos fãs da saga, mas que agrega a trama. Ao pronunciar esse dizer quase como uma sentença de resistência ao medo, Ferguson personifica a dor matriarcal de sua personagem não apenas em seu olhar ilhado, com uma voz fraca, mas também com um manejo apreensivo e inquieto que afeta e fascina o telespectador mais apático. Sem falar da crescente conexão — que acompanhamos com estima — entre Jessica e o protagonista do filme; seu filho Paul Atreides, interpretado com bastante carisma por Timothée Chalamet.

Apple acolhe Rebecca Ferguson em novo projecto | MHD
Divulgação: Warner Bros. Pictures/Legendary Pictures

Convocado pelo imperador, a Casa Atreides aceita a missão de comandar o planeta Arrakis, também conhecido como Duna (que dá nome à história), e servir como guardião do planeta, com a função de supervisionar as operações de mineração da mais preciosa especiaria de toda a galáxia. Arrakis se encontra em uma situação crítica; o ecossistema do planeta está em colapso, devido à superexploração dos recursos naturais e minerais pela casa Harkonnen, enquanto seus habitantes nativos sofrem de constante perseguição e risco de morte. Com a chegada do Duque e de sua família, os Harkonnen não poupam tempo e logo reagem, arquitetando um plano para aniquilar Leto, Lady Jessica e Paul, gerando assim uma reviravolta que deixa tudo mais emocionante em uma nova trajetória tensionada de pura fuga, traição e assassinatos.


“Meu deserto, minha Duna, minha Arrakis”


Os diálogos entre os personagens são bem construídos, todos com uma extrema relevância em expor a história, mesmo que alguns fatores políticos entre as casas aristocráticas, lamentavelmente,  tenham sido descartados para melhor compreensão, o que pode decepcionar os leitores da obra que baseia o filme. As atuações dos protagonistas foram executadas  com esplendor, principalmente a de Chalamet. Mesmo possuindo dez anos a mais que seu personagem, o ator consegue perpassar a ideia de um adolescente forçado a crescer abruptamente e fora do tempo.


Timothée incorpora os sentimentos amedrontadores de incerteza de Paul e o fardo — a ele incumbido — de ser o “messias prometido” de Arrakis com sinceridade e encanto em uma jornada de amadurecimento que apenas começamos a acompanhar. Ele transmite os sentimentos de insegurança acerca do futuro, o que torna sua personalidade identificável à todo e qualquer telespectador jovem (a cena na tenda é o ápice de sua entrega e, pelo menos para mim, um divisor de mares); claro que tal desempenho não é uma surpresa considerando seus exemplares projetos anteriores. A ótima química entre Timothée Chalamet e Jason Momoa realmente cooperou na composição da valiosa amizade quase que fraternal de Paul Atreides e Duncan Idaho, enquanto que Oscar Isaac, de fato, nos conquista e deixa o filme muito mais comovente do que o esperado. Contudo, o coração de Duna é sua fotografia. Já nos primeiros minutos, você consegue admirar a singularidade que Greig Fraser (de The Mandalorian e Lion; este último tendo concedido à ele uma nomeação ao Oscar) expele na filmografia. Não consigo pensar em uma obra a comparar, é extremamente único e revolucionário, com uma especial atenção aos detalhes, mas que também se responsabiliza em trazer a magnitude de um universo ainda pouco explorado e com uma edição de arte que acentua ainda mais a imponência dos cenários. Há um vasto escopo de coloração explorado aqui, desde os tons nebulosos e sombreados das cenas do barão, o dourado encantador do pôr do sol no deserto e o escarlate na cena da barraca de emergência que transforma o suor e lágrimas em água potável. É impossível pensar nas categorias técnicas do Oscar de 2022 sem pensar em Duna.

A trilha sonora é um verdadeiro trunfo, afinal estamos falando do genial Hans Zimmer. O compositor alemão, de praticamente todos os filmes de Christopher Nolan, entrega aqui uma sonora metalizada com sons exóticos, utilizando as vozes angelicais do coral (por vezes, em uma espécime de suaves zumbidos) e apresentando ao público uma língua desconhecida de guerrilha, o que adiciona ainda mais impacto. Suas composições são como parte intrínseca das cenas mais abrasantes do filme. É um conjunto de excelentes ingredientes que fazem de Duna o que é; não tem como desagregar uma coisa da outra.


Filmes de ficção científica ambicionam o futuro e tendem a projetar tramas corridas, em espaços de tempo consideravelmente curtos, mas Denis não tem pressa em Duna; para ele, menos é mais. Pense em um livro subdividido em duas partes e entenderá a lógica do diretor. Como o próprio título pré-estabelece, essa é apenas a parte um de toda uma história, o que pode ter dado um sentimento de desgosto aos que esperavam sair do cinema com a trama do primeiro livro concluída ou, pelo menos, mais ação do que diálogos. Esse fato fez do papel de Zendaya (Chani, uma Fremen) quase como um prelúdio para um arco maior (que será explorado na segunda parte). Em quase todo o filme, suas cenas se limitam as visões de Paul sobre reconquistar Arrakis, para só no final ela realmente o conhecer.  Em uma destas visões, há um rápido vislumbre do personagem principal cavalgando um verme de areia, este take prenuncia a extensão futura de seus poderes.  O pouco sorridente mestre de guerra da Casa Atreides, Gurney Halleck, interpretado por Josh Brolin (sim, o Thanos), também não obteve muito tempo de tela, mas é esperado que seu personagem tenha mais protagonismo com as batalhas que o aguardam; considerando que a parte dois seguirá o enredo de Herbert.  Do lado da vilania, não há dúvidas de que o levitante barão Harkonnen e seu sobrinho igualmente detestável, Besta Rabban (Dave Bautista), retornarão com mais devastação. 

Duna: Qual filme de Marlon Brando inspirou vilão Barão Harkonnen? · Rolling  Stone
Divulgação: Warner Bros. Pictures/Legendary Pictures

Duna Parte I não foi feito com a pretensão de encerrar um arco e sim com o objetivo de ocasionar um interesse no telespectador sobre o restante do enredo. O que é inusitado e, ao meu ver, uma excelente escolha narrativa (já que seria quase impossível abranger o desenrolar de um livro de 544 páginas e com informações valorosas em cada parágrafo em um longa de duas horas), mas também ousada para um filme mainstream; afinal, muitos podem ter se sentido exaustos nessa pesarosa caminhada inicial de exploração pelo deserto, podendo perder o interesse de voltar para o restante da jornada. Entretanto, não voltar seria tolice. 

Através de Duna: Parte I, Villeneuve conquistou a melhor bilheteria de abertura doméstica de sua carreira, com o ranking de 41 milhões de dólares. A segunda parte de Duna estreará em outubro de 2023 com janela teatral exclusiva de 45 dias (ou seja, o filme será lançado nos cinemas com exclusividade e permanecerá assim por 45 dias). Para a sequência, foi confirmado que a princesa Irulan (da Casa Corrino) integrará à trama; inclusive, os produtores queriam Emma Roberts para interpretar a personagem, mas a atriz teve que recusar devido a sua agenda lotada (uma quantidade bem expressiva de fãs está torcendo para que Anya Taylor-Joy seja escalada). Outros personagens bastante prováveis de aparecer no próximo longa são: O Imperador; Feyd-Rautha (sobrinho do Barão Vladimir) e Alia Atreides (o bebê que aparece por poucos segundos em uma das visões de Paul, no colo de Lady Jessica).

Em entrevista à Entertainment Weekly no último dia 27, o diretor disse querer produzir, pelo menos, três filmes de Duna, adaptando assim também o segundo livro da saga, “Dune Messiah“.

“Não é que eu queira fazer uma franquia, mas isso é Duna, e Duna é uma grande história. Para honrá-la, acho que você precisaria de pelo menos três filmes. Esse seria o sonho. Seguir Paul Atreides e seu arco completo seria bom. “


Duna: Parte I já disponível no catálogo da HBO Max Brasil.


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